domingo, 12 de junho de 2005

De pai para filho

Vitinho já contava cinco anos. Era um mourinho muito do engraçadinho. Mourinho. Era assim que o pai carinhosamente o chamava. Frederico sabia que brincadeiras com a cor cedo viriam, achou por bem começar logo em casa. Que primeiro elas partissem do amor, e depois que viessem as crueldades.

Não demorou muito para no colégio começarem a implicar. Menos ainda demorou para Vitinho começar a desconfiar. Sua mãe era cor de neve; o pai no máximo café, e isso quando iam muito à praia; os irmãos todos leitinhos. Vitinho começava a sentir-se diferente.

Adoção é assunto muito complicado. Se não for bem dissolvido cedo em casa, é indigestão pro resto da vida garantida. Para Vitinho ainda era mais complicado. Como se não bastasse a filiação, ainda destoava em tom dos seus cinco irmãos.

Certo dia Frederico busca Vitinho na escola e o leva para um passeio. Diz que ele já é um homenzinho e que vão ter hoje uma conversa de homem para homem. Vitinho fica todo prosa pela emancipação. Com muito jeito Frederico vai elaborando a invenção. Diz antes de tudo que o ama mais que o infinito, mas que todo pai não é perfeito. Conta história de um carnaval, onde conheceu uma moça linda. Estava brigado com a mamãe, e por um dia pela moça linda se apaixonou. Descreve para Vitinho com preocupada delicadeza a figura de sua imaginária mãe. Diz ter ela uma pele especial, que misturada com a dele fez nascer seu tom mourinho. A moça linda hoje estava no céu, continua Frederico dizendo que, assim que Vitinho nasceu, ele o levara para mamãe que desde então o amava como filho.

Por fim deixa bem explicadinho que o sangue do papai era o mesmo de Vitinho. Frederico ainda termina a pequena mentirinha em enorme tom de segredo. Um segredo só deles. Apenas entre pai e filho. Vitinho nunca se sentiu tão especial, seguro e perto do pai.

Pouco se passou e surgiram as primeiras brincadeiras. “Vitinho é adotado... Vitinho é adotado...”. Às vezes feitas até pelos irmãos. Podiam gritar o quanto quisessem, Vitinho escutava e sinceramente não ligava. Estufava o peito e expirava a certeza: sou filho do meu pai. Pensava só consigo, pensamento que nunca chegou a de fato ganhar som. Nem precisava. Ele sabia, e isso bastava.

O tempo passou, e, forte e confiante, Vitinho cresceu. Hoje Vitor sabe de toda a verdade. O bastante para saber que fora amado de verdade...

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