quinta-feira, 9 de junho de 2005

Epitáfio

“Meu amor o que você faria?
Se só te restasse um dia
Se O mundo fosse acabar
Me diz o que você faria?
Corria pra um shopping center
Ou para uma academia
Pra se esquecer que não dá tempo
Pro tempo que já se perdia
Meu amor o que você faria?
Se só te restasse esse dia
Se O mundo fosse acabar
Me diz o que você faria?
Andava pelado na chuva
Corria no meio da rua
Entrava de roupa no mar
Trepava sem camisinha
Meu amor o que você faria?
O que você faria?
Abria a porta do Hospício
Trancava da delegacia
Dinamitava o meu carro
Parava o tráfego e ria
Meu amor o que você faria?
Se só te restasse esse dia
Se O mundo fosse acabar
Me diz o que você faria?
Meu amor o que você faria?
Se só te restasse esse dia
Se O mundo fosse acabar
Me diz o que você faria?”

Oswaldo delira com a música.

Olha para o relógio, já passam de meia noite. Hoje seria rei. Vai para lugares que há muito tempo não visitava. Lembra de Paula, Luciana, da cunhada, da empregada, de Fernanda, de Isadora, de Bete e de Amanda... Mas nada se comparava àquela voz, no centro do palco, que parecia cantar exclusivamente para ele, como se fosse o único na platéia. “O que você faria se só te restasse esse dia?...” cantava ela fitando seus olhos. Quase um pedido, uma súplica. De quem era mesmo essa música? Paulinho o que? Mas pouco importa, aquela música já não tinha mais autor. Era dela. Dela para ele, e só para ele. Que cantora... que corpo... que boca... Era a figura mais exótica e sensual que Oswaldo já vira. Uma covardia. Qual seria o nome dela? Não importa... Oswaldo a pega pelos cabelos, a despe ali mesmo, no palco. De repente chegam Paula, Luciana, a cunhada... não. Chegam estranhas, mulheres desconhecidas que nunca vira antes. Oswaldo não hesita, vira o animal que nunca antes fora. Oswaldo está nas nuvens. Agora, literalmente. Já era dia. Contempla o nascer do sol como há muito não fazia. Estava voando. Voar de asa delta era seu sonho desde criança. Meio dia. Oswaldo se desespera. Já estava na metade do dia, ainda faltava tanta coisa... Pensa em fazer uma festa com seus melhores amigos. Estava muito cedo para uma festa. Não, não estava muito cedo para nada. Chama um por um os seus amigos, a maioria não via faz tempo. Se divertem como nunca. Bebem, dançam, riem. Chegam mais mulheres. Oswaldo se esbalda novamente. Sete horas. Já é noite, Oswaldo lembra da mulher e do filho. Como amava aquela mulher, era apaixonado pelo filho. Oswaldo vai para casa. Cozinha ele próprio o jantar. Os três jantam às gargalhadas. Oswaldo faz piadas, brincadeiras. Termina em guerra de comida. Brinca com o filho, diz que o ama, conta história e o faz dormir. Agora está no quarto. À sós com sua esposa, se declara como nunca o fizera. Tem a noite de amor mais linda que já tivera.
A música, ainda se ouve ao fundo. Já é outra. Oswaldo olha para o palco, ninguém. Percebe que o som agora vem das caixas. Nunca vira um show tão rápido. Olha para a mesa, uma coleção de copos vazios. Olha em volta, aqueles jovens rapazes se divertindo com strippers.
Olha para o relógio, quatro horas da manhã. Leva um susto. Dali a pouco teria que acordar para o trabalho. Regina iria o matar, prometera voltar cedo. Levanta. Se percebe completamente embriagado. Despede-se do afilhado, o parabeniza pela festa...
Volta para casa dirigindo em máxima concentração. Regina já está dormindo. Oswaldo tira a roupa cuidadosamente. Não queria acordá-la, muito menos que ela o visse naquele estado. Veste o pijama e deita silenciosamente ao seu lado.
O alarme toca. Regina ainda dorme. Oswaldo vai direto para o banho tirar o bafo da noite, dos pensamentos de ontem. Volta para o quarto, Regina não está mais na cama. Oswaldo já sente o cheiro dos seus ovos mexidos com bacon. Na cozinha, senta a família. Marcelinho, para variar, está atrasado para a escola. Engolem todos o café, e saem, ao mesmo tempo. Oswaldo estava um pouco adiantado para o trabalho, pensa em oferecer carona para o filho, mas Regina o faz primeiro. Na garagem Oswaldo dá um beijo na mulher, enquanto aperta o botão para abrir o carro. O beijo dura menos que o barulho de trava.
Chega no escritório. As papeladas de sempre já o aguardam. Meio dia. Hora de almoçar. O mesmo restaurante, as mesmas pessoas, os mesmos assuntos... Oswaldo volta para o trabalho, a mesma papelada.
Sete horas. Fim de expediente. Oswaldo volta para casa.
Nove horas, Marcelo e Regina esperam por Oswaldo para jantar. Dez horas. O jantar já está frio. Meia noite. Toca o telefone. Oswaldo nunca mais iria jantar.

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