sexta-feira, 10 de junho de 2005

O pingente

Todo o domingo Luís se reunia com os amigos do trabalho para a tradicional pelada. Hoje o clima estava tenso. Amanhã seria dia de corte na empresa. Já sabiam que da área, um seria cortado. Entre passes, chutes, dribles e apitos, o pensamento era só um. O jogo termina com um recorde de faltas, e nenhum gol.

Vão todos para o banheiro. As conversas hoje são poucas. A tradicional cantoria, não se ouve. Luís toma uma ducha demorada. Silêncio. Pensa já estar sozinho quando sai e vê Edu chorando baixo. De toalha enrolada, Luís senta ao seu lado. Os dois conversam demorado, eram amigos de longa data. Edu era casado, Luís que apresentara o casal. A mulher de Edu, uma antiga namorada, título comum entre quase todas as mulheres que conhecia. Luís era um descarado Dom Juan, teve mais namoradas do que figurinhas.

Edu agora soluça. Diz estar infeliz no casamento, confuso... Olhos nos olhos. De repente, sem completar o raciocínio, tasca um quente beijo em Luís, que responde com um empurrão ainda mais urgente que o beijo inesperado.
- Ficou maluco?
Silêncio. Aquela figura nua, caída ao chão do banheiro, agora aos prantos, provocara em Luís um profundo ódio. Impulsivamente o chuta. Edu não reage. Depois um soco. Luís não pára. E completamente embriagado por sensações até então adormecidas, espanca Edu até perceber que, muito sem querer, o matara. Desespera-se. Lava suas mãos, veste-se apressado. Olha pela última vez o corpo de Edu, estirado, nu. Vestia apenas um colar de ouro que repousava em seu pescoço. No peito brilhava um pequeno crucifixo, refletindo a fraca luz do vestiário. Luís lembra do dia em que comprou o pingente para Edu. Tinha um igual. Agacha-se, retira delicadamente o colar de Edu e o guarda.

No dia seguinte, no trabalho, a notícia já se espalhara. Edu havia sido brutalmente assassinado durante um infeliz assalto. O clima era de luto. Todos adoravam Edu. Nos corredores o pensamento sobre quem teria cometido tal bárbaro crime brigava com a tensão pela dúvida sobre quem seria o demitido, será que alguém o seria? Afinal, já estavam em menos um...

O enterro está marcado para uma da tarde. Onze horas e todos já estão na sala de conferência para a temida reunião. O telefone toca na mesa central. O funcionário mais antigo atende. O chefe anunciava da matriz: Não haveria mais corte na área.

No enterro compulsivos choros escondem respirações aliviadas. Luís é quem mais chora. Enxuga o pranto com as mãos que ainda guardam a lembrança da pele de Edu.

À noite encontra com a namorada. A abraça mais forte que o habitual. Retira do bolso o colar de Edu e o coloca cuidadosamente no pescoço de Mariana. Ajeita carinhosamente o pingente, e a pede em casamento.

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