segunda-feira, 9 de maio de 2005

Sonhos de valsa

Um deserto. Um deserto e mais nada. Tapete branco de areia. Dunas e dunas perdidas no nada. O vento aqui não soprava. As horas nem se quer existiam. O sol há muito já não surgia, mas no céu também não havia estrelas.
Assim era Eduarda minutos antes de dormir. Um deserto, um deserto e mais nada. Depois vinham os sonhos. Acordava e de nada lembrava. Os raios de sol sempre a achavam, por mais que fechasse a cortina. Aquela involuntária sensação vinha diariamente gostosa. Chegava a esboçar uma vontade de levantar, em seguida lembrava. Permanecia na cama até que o sol se escondesse. Já fazia quase um ano, e o dia continuava durando meses...
Enfim levantava. O corpo mofado, o cabelo embolado. Ia até a cozinha e preparava um contido desjejum. Pegava mais um saco de sonho de valsa, uma garrafa de Coca Light e voltava para o quarto.
O telefone toca. Eduarda deixa a secretária eletrônica atender. Se insistissem por três vezes chegava a atender, antes disso achava que era apenas um telefonema para constar, e não uma real vontade de falar. O marcador agora conta sete novos recados. Deixava acumular até a madrugada, geralmente chegavam a nove. Houve época que chegavam a vinte. Mas para o tempo que já passara, Eduarda cultivava como ninguém a atenção.
Novamente está deitada. Com a televisão já ligada, Eduarda vai abrindo os seus bombons. Guarda um por um os papéis em uma caixa. Sempre lembra do dia em que começou a coleção. Depois da primeira briga, Lucas chegara do trabalho com um sonho de valsa na mão. A partir deste dia, era assim todos os dias. Eduarda logo comprara uma grande caixa, foram sete os papeizinhos de bombom até que Lucas falecesse do coração. O oitavo nesta caixa nunca entrou, mas Eduarda nunca abandonara a coleção. Estava agora na quadragésima nona caixa. Seu maior prazer era as ver lotadas. Engole seus bombons e se embriaga de coca cola.
Eduarda amava Lucas loucamente. A vida sem ele perdera toda a graça. A saudade do amado extrapolava o insuportável. Passa o dia de camisola. De vez em quando até se permitia sair. Era raro, e nunca por própria iniciativa. Eram necessárias árduas insistências. Eduarda quando saía de casa, era sempre arrancada por alguém. Jamais se divertia. Muito raro, rascunhava um sorriso, que quando pela própria percebido era logo reprimido.
As horas se arrastam até enfim a madrugada. Eduarda ouve agora os seus recados. Vozes que se dizem sempre disponíveis, vozes que a pedem que reaja... Manter todo aquele sofrimento não era nada fácil, pelo menos vinha o reconhecimento. Era a melhor parte do dia.
Como era grande o seu amor... Ia para cama com a certeza pelos amigos legitimada. Construía grão por grão o seu deserto solitário. Se enterrava nele até perder a consciência. Os sonhos sempre a traíam, mas pelo menos se escondiam. Novamente despertava. Por alguns segundos sentia-se viva. Incisiva vinha a culpa. Como incomodavam esses momentos em que, sem querer, parecia se esquecer. Justo ela cuja vida só vivia do passado...
A verdade é que Eduarda adorava estar viva, sem saber que toda aquela doação era apenas um pedido de perdão...

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